Coronavírus: populações indígenas e tradicionais não podem ser abandonadas
abril, 08 2020
Governo Federal precisa agir para evitar genocídio
MPF, parlamentares e mais de 100 organizações se posicionam diante das crescentes ameaças resultantes da pandemia da Covid-19. Governo Federal precisa agir para evitar genocídioPor Bruno Taitson
Populações indígenas e tradicionais da Amazônia, historicamente excluídas de políticas públicas, podem ser vítimas de genocídio com a recente crise sanitária, desencadeada pela disseminação do novo Coronavírus. O temor é compartilhado por lideranças, profissionais da saúde, procuradores do Ministério Público Federal, parlamentares e organizações da sociedade civil.
A notícia divulgada nesta terça (7) de que um adolescente Yanomami testou positivo para a Covid-19 reforça a urgência das ações por parte do Estado brasileiro no sentido de conter o avanço do vírus entre os povos da floresta. Estimativas dão conta de que mais de 20 mil garimpeiros estão, de forma ilegal, atuando na Terra Indígena Yanomami.
O jovem de 15 anos que, segundo a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), morreu nesta quinta-feira (9) por complicações decorrentes de infecção no pulmão devido à doença Covid-19, vivia exatamente em uma aldeia em área de garimpo e lideranças indígenas locais não têm dúvida de que o vírus foi levado por invasores.
Desde a morte do adolescente Yanomami, outros óbitos de indígenas em decorrência do coronavírus já foram confirmados**. Mas, enquanto os grupos da sociedade civil contabilizam a morte de cinco índios, os dados oficiais da Funai (Fundação Nacional do Índio) registram três. A diferença acontece pois os dados da Sesai contam apenas indígenas que moram em aldeias -excluindo os chamados índios urbanizados.
Kretã Kaingang, membro da coordenação da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), classifica o novo vírus como uma ameaça sem precedentes, especialmente diante de um governo abertamente contrário aos interesses dos povos originais. “Temos medo da intensificação de um genocídio que vem ocorrendo há séculos e que se agravou no atual governo”, analisa.
O representante da Apib salienta especial preocupação com alguns grupos mais expostos ao problema. “Algumas aldeias próximas de áreas urbanas, às vezes separadas da cidade por um rio, correm grande risco, especialmente considerando idosos e crianças. Os indígenas em isolamento voluntário também estão sob grande vulnerabilidade”, relatou.
Ivaneide Bandeira, coordenadora da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, que atua em Rondônia, denuncia o aumento das invasões de terras indígenas, em virtude da deliberada redução da fiscalização pelos órgãos federais, agravada na atual crise sanitária. “A quantidade de garimpeiros nos territórios Cinta Larga e Suruí está aumentando, assim como a grilagem e o desmatamento na Terra Indígena Uru-eu-Wau-Wau. Além do dano ambiental, há agora o risco de contaminar os indígenas e desencadear um verdadeiro genocídio de povos inteiros”, afirma, salientando a vulnerabilidade imunológica da maioria dos povos originais.
De acordo com Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, a defesa dos territórios diante das invasões por garimpeiros, madeireiros, grileiros e desmatadores precisa ser priorizada. “Mais do que nunca, o governo brasileiro tem que agir decisivamente para retirar esses invasores das terras indígenas e unidades de conservação. Se essa contaminação chegar a aldeias remotas, por exemplo, teremos uma situação dramática, porque essas pessoas não terão a assistência necessária para poder se recuperar”, avalia.
Segundo Dione Torquato, da coordenação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o Governo Federal tem obrigação de agir para impedir uma grande perda de vidas humanas entre as comunidades tradicionais. “Agricultores familiares, ribeirinhos, seringueiros, extrativistas e indígenas historicamente são excluídos em termos de acesso a políticas públicas de saúde, educação, alimentação e saneamento. Precisamos de atenção à saúde, campanhas de conscientização, equipamentos de proteção individual, kits de testagem e outras providências”.
Na semana passada, o Ministério Público Federal (6ª. Câmara) protocolou uma recomendação solicitando ações emergenciais de proteção aos povos indígenas diante da crise do novo Coronavírus. O documento fala em "risco de genocídio" e recomenda um conjunto de ações como disponibilização de leitos, kits de testagem, transporte emergencial, acesso a alimentação e repasse de recursos para municípios com presença indígena. Também requer a imediata vacinação de indígenas contra a influenza, por terem maior vulnerabilidade imunológica.
O Fórum Permanente em Defesa da Amazônia, coalizão que reúne parlamentares comprometidos com a agenda socioambiental, movimentos sociais, pesquisadores e organizações da sociedade civil, publicou no final de semana um manifesto demandando do Governo Federal uma série de ações de segurança alimentar e saúde de populações indígenas e tradicionais. O documento, assinado por mais de 100 instituições, requer “medidas emergenciais para a prevenção e assistência no combate deste vírus nos territórios dos povos da Amazônia”.
A deputada federal Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a ocupar uma cadeira no Parlamento brasileiro, recorda que um dos fatores que dificulta a rápida resposta do governo à atual crise é retirada da sociedade civil dos espaços de tomada de decisão. “A gestão Bolsonaro suprimiu a participação das organizações na implementação políticas públicas ao revogar conselhos de controle social e suprimir recursos para articulação, conferências e encontros”, disse. A Parlamentar acrescenta que alguns projetos de lei propondo medidas de proteção aos povos indígenas diante da crise do Coronavírus já foram protocolados na Câmara.
** Nota atualizada em 13/4/2020, às 10h40.
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