Liberação da caça tem derrota na Câmara
abril, 26 2018
Projeto que repassava aos estados atribuição para autorizar essa prática é barrada por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente
Projeto que repassava aos Estados atribuição para autorizar essa prática é barrada por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente, mas a ameaça ainda não foi afastadaPor Warner Bento Filho
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (Cmads) barrou, por unanimidade, nesta quarta-feira (25), projeto de lei complementar que pretende passar aos Estados a prerrogativa de autorizar a caça. Trata-se do PLC 436/2014, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC). O relator na Cmads é o deputado Nilto Tatto (PT-SP).
O projeto de Mendonça altera outra lei complementar, a 140/2011, ampliando atribuições que os Estados já têm, de controlar a apanha de espécies da fauna silvestre, ovos e larvas, destinados à implantação de criadouros ou à pesquisa científica.
Pela versão do parlamentar catarinense, todas as atribuições da União nessa área são derrubadas, dando aos órgãos estaduais de meio ambiente a autorização para controlarem a caça. “Com a devida vênia, é um absurdo”, diz Tatto.
O relator lembra que a fauna nacional é tutelada pela Lei 5.197, de 1967, cujo primeiro artigo determina: “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”
“Com a aprovação do relatório pela rejeição, a Cmads reafirma seu compromisso com a conservação da natureza”, disse Tatto. O parlamentar é relator de outro projeto polêmico de autoria também de parlamentar do MDB de Santa Catarina. Nesse caso, Valdir Colatto, que apresentou o Projeto de Lei 6268, para também liberar a caça no país.
Milícias
O projeto de Colatto autoriza o abate de animais silvestres ameaçados de extinção; legaliza o comércio de animais silvestres e exóticos; autoriza a “erradicação de espécies exóticas consideradas nocivas à saúde pública, às atividades agropecuárias e correlatas e à integridade e diversidade biológica dos ecossistemas”; autoriza o estabelecimento de campos de caça em propriedades privadas e a criação e manutenção de animais silvestres em criadouros comerciais; animais recebidos em centros de triagem poderão ser destinados a cativeiros e a campos de caça; zoológicos poderão vender animais silvestres a criadouros; animais silvestres provenientes de resgates em áreas de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental poderão ser abatidos; o abate de animais poderá se dar inclusive em unidades de conservação.
Para o deputado Nilto Tatto, o texto faz parte de um projeto político mais amplo e organizado. “É o mesmo projeto político que quer criminalizar as ONGs, quer acabar com o licenciamento ambiental e liberar o desmatamento. Este PL dialoga com os interesses da bancada ruralista e da bancada da bala”, disse. O parlamentar chamou atenção, ainda, para o perigo de se formarem milícias armadas no campo. “É para matar ambientalistas, sindicalistas, extrativistas”, acusou.
A proposta de Colatto provocou forte reação da sociedade civil. Um grupo de organizações ambientalistas, que contam ainda com o apoio de membros do Ministério Público e de órgãos ambientais, deu início a uma campanha pelas redes sociais com a hashtag #todoscontraacaça. Há, ainda, um abaixo-assinado contra o projeto que já conta com quase 150 mil assinaturas.
O deputado Colatto publicou em seu perfil no Facebook um vídeo em que defende o projeto. Até a tarde de quarta-feira, o vídeo já tinha mais de 300 comentários, quase em sua totalidade contra o projeto. “Discurso da barbárie! Retrógrado jurássico!”, escreveu uma internauta. “Caso realmente se importasse com a fauna e a preservação ambiental no Brasil, o senhor chamaria instituições, ambientalistas e biólogos para um amplo debate, mas, pelo visto, não é esse o objetivo”, registrou um usuário da rede. Um dirigente do MDB de Santa Catarina comentou: “Sou catarinense. Fui Presidente por dois mandatos do MDB em minha cidade. Não tens apoio aqui, Colatto. Jamais terás meu voto. Não me representas com essas propostas que visam destruir o pouco que resta da nossa biodiversidade. Sou proprietário de terras e esse seu papinho de representante do homem do campo não me convence”.
No vídeo, Colatto argumenta que o projeto “não libera a caça” e que os princípios do projeto são a preservação do patrimônio genético e a biodiversidade, a soberania nacional da diversidade, a precaução, o respeito à biossegurança e a proteção ambiental, entre outros. Não é esse, no entanto, o entendimento do relator do projeto, das organizações ambientalistas, do Ministério Público e, inclusive do Ministério do Meio Ambiente que, em nota técnica, afirma que “o objetivo maior do projeto, realçado pela justificativa anexada, é a liberação da caça no Brasil”.
Em outra publicação, o parlamentar expressa seus sentimentos e suas intenções em relação a animais de nossa fauna silvestre: “Eles [os ratos] são altamente destrutivos ao patrimônio humano e grandes difusores de doenças. São repugnantes porque tem uma grande capacidade reprodutiva e nos atingem diretamente. (...) A capivara, roedor como o rato, mas de grande porte, é difusora da babesiose, está desertificando a margem de alguns rios e inclusive invadindo as cidades. Algumas pombas inundam de excrementos nossas cidades e produzem grande difusão de doenças entre a fauna nativa. Contudo, esses animais, alguns por serem “bonitinhos”, outros por estarem produzindo seus malefícios distantes de nós, diferentemente dos ratos, são protegidos e tem estimulada a sua descontrolada reprodução, especialmente por aqueles que desconhecem objetivamente o funcionamento dos ecossistemas”.
“Este ano, temos eleições. É a hora de usarmos nossos votos para eleger parlamentares comprometidos com os valores que defendemos e afastarmos do Congresso os inimigos do meio ambiente. Devemos conversar com nossos amigos, parentes e colegas de trabalho para convencermos o maior número de eleitores de que é possível um Legislativo melhor, mais amigo da natureza e das pessoas”, propõe o coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos.