Monitoramento inédito via satélite vai gerar informações sobre os botos da Amazônia
dezembro, 04 2017
Projeto une biodiversidade e tecnologia e vai acompanhar diferentes populações de botos no Brasil, Bolívia e Colômbia.
- Iniciativa tem como objetivo mapear trajetos feitos pelos animais, além de coletar informações sobre perfil genético e alimentar e verificar contaminação por mercúrio.
Esse monitoramento é feito por meio de tags: pequenos aparelhos instalados nos animais como “piercings”, que enviam informações sobre o seu posicionamento várias vezes ao dia. Assim, será possível obter dados sobre padrões de distribuição dessas populações e desenvolver trabalhos de conservação mais eficientes das espécies e do ecossistema onde vivem.
A instalação dos aparelhos foi feita em expedições de campo que envolveram dezenas de profissionais em três países sulamericanos: Brasil, Colômbia e Bolívia.
Também foram colhidas diversas amostras biológicas dos botos, que já estão sendo analisadas em laboratórios. Essa coleta de informações adicionais possibilitará a geração de conhecimento mais aprofundado e detalhado sobre a saúde dos animais.
Protocolo
Foram coletadas amostras de sangue, de material genético e excreções nasais e orais. Os botos também passaram por uma biometria, com verificação de medidas e peso. Os pesquisadores vão avaliar, entre outros parâmetros, níveis de mercúrio nos botos capturados, pois existe a possibilidade dessas populações de animais estarem contaminadas pelo descarte indevido de mercúrio como consequência do garimpo presente por toda a Amazônia.
Até o momento, 11 botos estão sendo monitorados nas bacias dos rios Tapajós, no Brasil; na região do rio Marañon, entre Colômbia e Peru; e na região do rio Madeira, entre a Bolívia e o Brasil. Eles são das espécies Inia geoffrensis e Inia boliviensis – dois dos quatro tipos de botos existentes na Amazônia.
A captura dos botos e a instalação dos tags ocorreu de maneira padronizada e obedecendo a um rígido protocolo elaborado por especialistas para conciliar a coleta dos dados científicos, a instalação dos equipamentos e o bem-estar dos animais.
A cientista Miriam Marmontel, líder do grupo de pesquisa em mamíferos aquáticos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) – uma das instituições participantes deste projeto – falou do ineditismo do trabalho. “É a primeira vez que uma pesquisa deste tipo é feita na Amazônia. Queremos ter uma ideia geral da saúde desses animais, de seus padrões de deslocamento e verificar como esses grupos de botos serão impactados pela proximidade das hidrelétricas que estão previstas para esta região”, afirmou Marmontel. Apesar de considerada uma fonte limpa de energia, as barragens acabam com a conectividade dos rios. Segundo os pesquisadores, isso gera impactos bastante preocupantes à biodiversidade.
Escala
O especialista de conservação do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira, contou que a ideia é também testar os tags como uma nova tecnologia de monitoramento de botos, verificando sua eficiência e confiabilidade para este tipo de trabalho. “Se o monitoramento inicial funcionar, nosso objetivo é dar escala para esta iniciativa. Então teremos mais tags, mais botos sendo monitorados e mais informação científica confiável sendo gerada sobre essa região e sobre esses animais”, explicou Oliveira.
Marcelo contou que, dos 5 botos brasileiros tagueados, dois deles, batizados de “Benjor” e “Ana Maria”, têm mostrado resultados surpreendentes: “Por meio desse monitoramento, estamos acompanhando a movimentação diária desses animais no rio Tapajós com vários pontos tendo sido emitidos diariamente nas semanas seguintes à instalação dos tags”, disse.
O pesquisador colombiano Fernando Trujillo, da Fundación Omacha – outra das instituições participantes desta pesquisa – afirmou que é preciso ter muito claro que os botos são hoje uma espécie ameaçada. “Nós, que vivemos aqui, sabemos que os problemas ambientais só aumentam, e os danos aos ecossistemas são cada vez maiores. Com esse trabalho do tagueamento, queremos gerar mais informações e possibilitar que os tomadores de decisão orientem ações e recursos para proteger esses animais e os habitats em que eles estão”, afirmou.
Entre as diversas instituições que estão colaborando com este trabalho estão, além do WWF, do Instituto Mamirauá e da Fundación Omacha, a FaunAgua (Bolívia), a Pro Delphinus (Peru), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio, Brasil) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Sema-AM).
Sobre os botos
Apesar de serem animais muito famosos e um símbolo da Amazônia, existem poucos estudos com informações científicas consolidadas sobre os botos. Por isso esta pesquisa pioneira de monitoramento é tão importante.
Com os resultados desta iniciativa será possível também posicionar o boto globalmente em uma categoria de conservação mais adequada do que a atual.
Hoje, segundo a lista vermelha da The International Union for Conservation of Nature (IUCN), que cataloga o status de conservação de diversos animais, os botos amazônicos estão na categoria de “dados insuficientes”. A ideia é obter mais dados e conseguir mover essas espécies para uma categoria que expresse realmente a sua situação atual.
As ameaças aos habitats e à sobrevivência dos botos têm aumentado por todo o bioma. Algumas dessas ameaças são projetos de infraestrutura, como hidrelétricas; a contaminação das águas dos rios amazônicos por mercúrio vindo de garimpos; e a captura causada pela demanda de iscas para a pesca da piracatinga (Calophysus macropterus).
Das 7 espécies de botos de água doce do planeta, a Amazônia agrega a maior população. Com isso, está nas mãos dos países amazônicos a responsabilidade de evitar que eles sejam extintos, como já aconteceu com o boto baiji (Lipotes vexillifer) no rio Yangtze, na China, declarado extinto em 2007.