Senado confirma legalização da grilagem de terras na Amazônia

junho, 01 2017

Sem alterações, senadores aprovam medida que estimula o desmatamento e conflitos agrários
por Clarissa Presotti

O plenário do Senado aprovou na noite desta quarta-feira (31) a Medida Provisória 759/2016 que estabelece regras para regularização de terras na Amazônia Legal e disciplina novos procedimentos para a ocupação fundiária urbana. A norma segue para a sanção presidencial.
 
Uma das principais bandeiras da bancada ruralista, a matéria foi aprovada na forma do projeto de lei de conversão do relator (PLV 12/2017), senador Romero Jucá (PMDB-RR), que promove profundas alterações em leis que resguardam políticas públicas ao direito de acesso à terra.

Na Câmara, a medida foi mantida assim como veio da Comissão Especial e aprovada de maneira expressa, sem a presença dos deputados de oposição, que se retiraram em protesto. (leia mais
 
Apelidada de “MP da grilagem”, a proposta faz mudanças estruturais no processo de seleção para reforma agrária e no Programa Terra Legal (Lei 11.952/2009), que trata da regularização fundiária das ocupações  em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal.

A medida permite, por exemplo, regularizar áreas contínuas maiores que um módulo fiscal (cerca de 1,5 hectare) e até 2,5 mil hectares. Ocupantes anteriores a julho de 2008 também poderão participar do processo. Por causa disso, a norma abre caminho para a legalização massiva de áreas griladas, o agravamento da concentração fundiária e dos conflitos de terra.
 
Estima-se que, só na Amazônia, poderá ser disponibilizada a empreendimentos privados, por valores bem abaixo do mercado, cerca de 40 milhões de hectares de terras públicas – o equivalente a duas vezes ao Estado do Paraná.
 
Para terras da União fora da Amazônia Legal, a medida permite a venda com dispensa de licitação para ocupantes de terras rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), inclusive remanescentes de colonizações oficiais em data anterior a 10 de outubro de 1985.
 
Desde a edição dessa MP pelo presidente Temer, no final de 2016, o seu teor tem sido alvo de questionamentos, principalmente por movimentos sociais do campo e da cidade. As entidades avaliam que a nova lei aumentará a concentração de terras, incentivando a grilagem e o desmatamento. Além de não trazer uma ampla e estrutural reforma agrária no país, pode comprometer a legislação que avançou ao longo das últimas décadas.
 
O WWF-Brasil também se posiciona contrário a essa medida e considera que esse não seria o melhor momento para realizar mudanças estruturais no ordenamento territorial, principalmente na Amazônia. Antes disso, é necessário destinar as terras públicas a pequenos produtores rurais, assentados, povos indígenas e populações tradicionais da região para garantir as salvaguardas ambientais, institucionais e de cidadania.
 
Além disso, essa medida faz parte da ofensiva da bancada ruralista do Congresso com o objetivo de atender ao mercado de terras, institucionalizando a grilagem em grandes áreas, inclusive daquelas que até pouco tempo estavam protegidas por unidades de conservação integral, como o Parque e a Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, recentemente reduzidos pela MP 756 e 758 (leia mais).

Nesta semana o WWF-Brasil pediu ao presidente veto total a essas medidas que colocam em risco a Amazônia. 
 
Anistia  

A MP 759 tem outro agravante. O texto aprovado exclui exigências ambientais que existiam para a regularização fundiária, nem mesmo para coibir o desmatamento na Amazônia – um dos principais argumentos para instituir o Terra Legal.
 
Na prática, a nova redação possibilita a transferência de terras públicas sem que o posseiro se comprometa a recuperar seu passivo ambiental.   Promove a anistia das ocupações irregulares, além de permitir a venda, sem qualquer critério de interesse social ou coletivo, de imóveis patrimônio da União.
 
A legislação atual prevê que o posseiro pode perder o título se a Área de Preservação Permanente (APP) ou a Reserva Legal for desmatada num prazo de dez anos. A MP original, que saiu do gabinete do Michel Temer, já flexibilizava essa restrição, ao permitir que o ocupante pudesse assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
 
O texto de Jucá, aprovado na Comissão Mista que analisou a matéria, foi além e eliminou todas essas condicionantes ambientais. Agora a única obrigatoriedade é o Cadastramento Ambiental Rural (CAR) da área.
 
Técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) também avaliam negativamente a medida por todo retrocesso ambiental em jogo. Para eles, será ainda mais problemático o efeito da norma nas cidades, visto que qualquer aglomerado rural poderá ser considerado urbano, extinguindo os planos de manejo dessas áreas – o que significará a privatização dos espaços públicos.
 
Reações
 
Apesar do apoio maciço da base governista, a MP recebeu duras críticas da oposição. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), por exemplo, afirmou que a proposta é “o horror em matéria de retrocesso”. Para ela, a norma é um “presente de natal para os ruralistas” e vai aumentar a pobreza no campo e o êxodo rural.
 
Para o senador Jorge Viana (PT-AC), a MP vai facilitar a vida dos grileiros em todo o país e fragilizar os pequenos proprietários, além de promover a reconcentração de terras.
 
Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), João Capiberibe (PSB-AP), Lídice da Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Reguffe (sem partido-DF) também discursaram contra a aprovação do PLV.
 
Com informações da Agência Senado
 
 
Senado aprova MP que oficializa a grilagem
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