Câmara confirma legalização da grilagem de terras públicas
junho, 28 2017
No mesmo contexto de turbulência política, deputados aprovam medida com modificações do Senado
Por Clarissa Presotti
Aproveitando mais uma vez do cenário político conturbado, o plenário da Câmara aprovou nesta madrugada as oito emendas à Medida Provisória (MP) 759, que estabelece regras para regularização de terras da União ocupadas na Amazônia Legal e disciplina novos procedimentos para regularização fundiária urbana. A norma segue para a sanção presidencial.
Uma das principais bandeiras da bancada ruralista, a ‘MP da grilagem’ foi aprovada na forma do projeto de lei de conversão do relator (PLV 12/2017), senador Romero Jucá (PMDB-RR), que promove profundas alterações em leis que resguardam políticas públicas ao direito de acesso à terra.
A MP já tinha sido enviada à sanção pelo Senado após aprovação naquela Casa, mas, depois da concessão de uma liminar pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso no último dia 20, a medida teve de retornar à Câmara.
Barroso reconheceu a violação constitucional e regimental pelo Senado, pelo fato do texto enviado à sanção presencial ser diferente do votado pela Casa revisora das leis. A liminar foi concedida a 11 parlamentares do PT que questionaram a aprovação pelo plenário do Senado, de emendas consideradas pelo relator Jucá como de redação (destinadas apenas a corrigir vício de linguagem ou incorreção de técnica legislativa).
O ministro concordou que ao menos três delas alteram o mérito do texto aprovado pela Câmara e determinou nova votação pelos deputados, suspendendo seu envio à Presidência da República para sanção.
A votação desta madrugada evidenciou, mais uma vez, o contexto de crise do governo e a pressa da bancada ruralista, majoritária no Congresso, em aprovar rapidamente a medida. Integrantes da base de apoio ao governo, os deputados ligados à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) correspondem a 207 deputados de um total de 513.
A aprovação das emendas repetiu o contexto de turbulência política da votação na sessão deliberativa do último dia 25 de maio, quando o plenário da Câmara aprovou a medida. Na ocasião, os deputados de oposição ao governo se retiraram da sessão em protesto contra o decreto do governo autorizando o emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Sem oposição, os parlamentares da base de apoio ao governo votaram, na sessão de duas horas de duração e sem debate, seis MPs. Três delas causam altos impactos para populações do campo e ameaçam a biodiversidade brasileira, como é caso da 759.
Essa medida permite, por exemplo, regularizar áreas contínuas maiores que um módulo fiscal e até 2,5 mil hectares (ha), e que ocupantes anteriores a julho de 2008 participem do processo. Por causa disso, a norma abre caminho para a legalização massiva de áreas griladas, o agravamento da concentração fundiária e dos conflitos de terra.
Além disso, a norma faz mudanças estruturais no processo de seleção para reforma agrária e no Terra Legal (Lei 11.952/2009), que trata da regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal.
Estima-se que, só na Amazônia, poderá ser disponibilizada à empreendimentos privados, por valores bem abaixo do mercado, cerca de 40 milhões de hectares de terras públicas – o equivalente a duas vezes ao Estado do Paraná.
Anistias
A MP 759 tem outro agravante. O texto aprovado exclui exigências ambientais que existiam para a regularização fundiária, nem mesmo para coibir o desmatamento na Amazônia – um dos principais argumentos para instituir o Terra Legal.
A nova redação possibilita a transferência de terras públicas sem que o posseiro se comprometa a recuperar seu passivo ambiental. Na prática, anistia as ocupações irregulares, além de permitir a venda, sem qualquer critério de interesse social ou coletivo, de imóveis patrimônio da União.
A legislação atual prevê que o posseiro pode perder o título se a Área de Preservação Permanente (APP) ou a Reserva Legal for desmatada num prazo de dez anos. A MP original já flexibilizava essa restrição, ao permitir que o ocupante pudesse assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
O texto de Jucá, aprovado na Comissão Mista que analisou a matéria, foi além e eliminou todas essas condicionantes ambientais. Agora a única obrigatoriedade é o Cadastramento Ambiental Rural (CAR) da área.
Áreas urbanas
Uma das emendas aprovadas pela Câmara permite ainda a instituição de condomínio urbano simples para qualquer imóvel que tenha nele construções de casas ou cômodos e não apenas para aqueles que são objetos de Regularização Fundiária Urbana (Reurb).
A redação que saiu da comissão mista era mais restritiva, pois fazia referência apenas a imóveis irregulares que farão parte do Reurb. Técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) avaliam negativamente a medida por todo retrocesso ambiental em jogo. Para eles, será ainda mais problemático o efeito nas áreas urbanas, pois haverá legalização de diversas residências e condomínios irregulares.
Além da transformação de qualquer aglomerado rural em urbano – o que significará a privatização dos espaços públicos, causando mais danos ambientais.
Questionamentos
Desde a edição dessa MP pelo presidente Temer, no final de 2016, o seu teor tem sido alvo de questionamentos, principalmente por movimentos sociais do campo e da cidade.
As entidades avaliam que a nova lei aumentará a concentração de terras, incentivando a grilagem, conflitos no campo e o desmatamento. Além de não trazer uma ampla e estrutural reforma agrária no país, pode comprometer a legislação que avançou ao longo das últimas décadas.
O WWF-Brasil se posiciona contrário a essa medida e considera que esse não seria o melhor momento para realizar mudanças estruturais no ordenamento territorial, principalmente da Amazônia. Antes disso, é necessário ordenar o território e destinar as terras públicas a pequenos produtores rurais, assentados, povos indígenas e populações tradicionais da região para garantir as salvaguardas ambientais, institucionais e de cidadania.
Além disso, essa medida faz parte da ofensiva da bancada ruralista do Congresso com o objetivo de atender ao mercado de terras, institucionalizando a grilagem em grandes áreas, inclusive daquelas que até pouco tempo estavam protegidas por unidades de conservação integral, como o Parque e a Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, que estão prestes a serem reduzidos pelo Congresso (leia mais).
Embora a MP já tenha perdido a validade no último dia 1º de junho, seu texto original permanece em vigor até o dia 1º de julho, prazo dado por ele para a Câmara analisar as emendas.