junho, 12 2012
Pela primeira vez, Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Caatinga são alvo de pesquisa que revelou a complexidade e o alcance dessas práticas arcaicas
por Aldem Bourscheit
São Paulo (SP) – Seis em cada dez quilos do carvão vegetal produzido no Brasil vêm da destruição de florestas nativas e, muitas vezes, sua produção acontece com mão-de-obra escrava ou degradante. O problema se concentra na Amazônia, mas não se resume à maior floresta tropical do planeta. Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal também são vítimas dessas práticas arcaicas.
É o que revela Combate à devastação ambiental e ao trabalho escravo na produção do ferro e do aço, que exigiu dois anos de dedicação do WWF-Brasil, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Rede Nossa São Paulo, Fundación Avina, Repórter Brasil e Papel Social. A pesquisa será apresentada a partir das 16h30 desta terça (12), durante a Conferência Ethos Internacional, em São Paulo (SP). Mais informações em http://siteuniethos.org.br/ci2012/
O estudo envolveu pólos siderúrgicos no Pará, Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, e traz estudos de caso que revelam a complexidade e o alcance da ilegalidade. Foram rastreadas da produção de carvão em fornos clandestinos escondidos na mata às grandes indústrias que usam carvão obtido com devastação ambiental e trabalho escravo. Relatórios de fiscalização federal, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios do Ministério Público Federal e provas materiais foram apurados e checados.
Assim se estabeleceram as ligações entre o carvão ilegal e algumas das maiores siderúrgicas brasileiras e mundiais. O combustível é um dos principais itens da produção de ferro gusa, base das ligas de aço e matéria-prima para fundições, fábricas de autopeças, maquinários e eletroeletrônicos. A escória siderúrgica é usada na produção de cimento. No Brasil, a fabricação de aço está nas mãos de 28 grandes usinas, administradas por nove empresas. Ano passado, o país produziu 48 milhões de toneladas brutas de aço. É um dos setores da economia que mais cresce.
Em 2010, chegou a 700 mil hectares o déficit de eucaliptos plantados para a produção de carvão para ferro-gusa, considerando um rendimento de 30 m³/ha/ano. Embora florestas naturais possam ser manejadas de forma sustentável, a esmagadora maioria da madeira retirada dessas florestas para fazer carvão é ilegal. Ou seja, ainda não é possível atender à demanda da siderurgia sem grave degradação ambiental.
Por exemplo, o Cerrado já perdeu metade da vegetação original e ainda é um dos principais fornecedores do carvão usado para se produzir ferro e aço no Brasil. Suas matas começaram a abastecer as carvoarias há mais de um século, quando foram implantadas as primeiras fundições no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Hoje, o pólo siderúrgico mineiro é o maior do país, com mais de 60 indústrias.
Escravidão moderna - A mão de obra escrava não se configura pela falta de carteira assinada ou por problemas trabalhistas. É marcada pelo cerceamento da liberdade do trabalhador, seja por vigilância armada, "isolamento geográfico", retenção de documentos, ou pela "servidão por dívida" - quando a pessoa é obrigada a trabalhar para quitar débitos contraídos de forma fraudulenta. Também é trabalho escravo aquele sob condições degradantes, por exemplo quando pessoas são obrigadas a trabalhar sem água e alimentação suficientes, sofrendo maus tratos, com alojamentos precários, sem o mínimo de higiene.
O Código Penal também considera escravidão sujeitar trabalhadores a jornadas exaustivas, colocando em risco sua vida. De acordo com a atualização de dezembro de 2010 da “lista suja” do trabalho escravo, 53 dos 220 empregadores relacionados estavam ligados à produção de carvão vegetal. A lista é um cadastro mantido pelo Governo Federal com os empregadores flagrados cometendo esse tipo crime.
Soluções – As siderúrgicas que usam carvão vegetal deveriam, de acordo com a legislação, investir no plantio de florestas para suprir suas necessidades de carvão. Lavouras de eucaliptos são a principal alternativa encampada pelo setor para tentar atender à demanda. Carvão legalizado também pode ser feito com madeira nativa retirada de áreas com planos de manejo aprovados pelos órgãos competentes ou de áreas com licença para desmatamento, das cascas de coco ou de babaçu, e ainda de resíduos de serrarias.
De 2000 a 2009, segundo dados da Associação Mineira de Silvicultura (AMS), 57% do carvão vegetal consumido no país veio de plantios comerciais. Mas em momentos de desaquecimento econômico, há uma tendência de se reduzir a demanda pelo combustível, aumentando a participação das florestas plantadas no total utilizado.
Sendo assim, para levar mais sustentabilidade às cadeias do carvão e do aço, são necessários amplos acordos setoriais, envolvendo governo, indústria e sociedade civil, ampliando o uso de fontes sustentáveis de carvão vegetal e respeitando amplamente a legislação.
Em abril deste ano, foi consolidado o Grupo de Trabalho do Carvão Sustentável, iniciativa cujos primeiros a aderir foram o Instituto Carvão Cidadão (MA) e as empresas DNA Carvoejamento e DNA Energética, Libra Ligas, Mahle, Rotavi, Simasul, Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, Vetorial e Atelmig.O compromisso será reforçado com a adesão gradual de novas empresas e outros segmentos ligados à produção de carvão, ferro e aço.
O objetivo é garantir que seja possível rastrear a origem da madeira usada para a produção do carvão e os caminhos que o produto percorre até a se siderúrgicas, fazendo com que sejam usadas fontes legais e renováveis em toda a cadeia produtiva do ferro e do aço. Além disso, é necessário maior eficiência na produção de carvão, ampliar a área com florestas plantadas e manejadas em bases sustentáveis até 2020 e desenvolver políticas públicas e incentivos econômicos que apóiem essas transformações.